Bilac Vê Estrelas
Bilac Vê Estrelas
“Na Colombo (onde Patrocínio era Deus e Bilac, o Filho, sobrando uma vaga apertada para o Espírito Santo), exemplares da “Gazeta de Notícias” eram disputados de mão em mão com a página aberta na crônica. Que história era aquela de condor? E desde quando Patrocínio, que mal tinha onde cair morto, possuía um hangar? Ninguém queria acreditar no que estava lendo. Um dos dois, Patrocínio ou Bilac, ou ambos, tinha enlouquecido. Ou então – se fosse verdade – era a notícia do século.”
Rio de Janeiro, 1903. Rua do Ouvidor, centro da vida social, cultural e boêmia da época. Olavo Bilac está a postos na calçada da afamada Confeitaria Colombo. De súbito, uma manchete berrada interrompe suas ponderações… um homem negro é encontrado morto em Paquetá, e pode ser o Jornalista da Abolição, grande amigo de Olavo, José do Patrocínio. Isso desencadeará uma trama fabulosa envolvendo o Santa-Cruz, um dirigível inventado por Patrocínio, que estava sendo construído em um barracão no subúrbio de Todos os Santos.Durante uma passagem de Bilac por Paris, a existência do dirigível chega aos ouvidos de dois aeronautas, Deschamps e Valcroze, que então planejam roubar as plantas do dirigível, construir um protótipo e leiloá-lo para as potências estrangeiras, e para conseguir isso, contratam a linda e sensual espiã lusitana Eduarda Bandeira para que roube os projetos. Em meio a tudo isso, Olavo Bilac tentará frustrar os planos dos dois franceses, agindo como um herói-detetive; mas tudo de forma tão galhofeira quanto os crimes cometidos no decorrer do livro.
“A única informação que confirmava era o motivo de sua vinda para o Rio: a chicotada no rosto de um nobre herdeiro português, de quem se separara havia meses. Inconformado com o rompimento, ele a atormentava para reatarem. Finalmente, convidara-a para uma cavalgada em Sintra e, em meio ao passeio, tentara arrastá-la para os vinhedos. Eduarda, porém, se desvencilhara e zebrara-lhe o rosto com o chicotinho de montaria. Com o lanho vermelho dividindo-lhe a face, o nobre luso, para castigá-la, dera-lhe duas opções: o degredo no Brasil, com todas as despesas pagas, ou a morte. Eduarda achou mais saudável a primeira opção. Por isso ali estava ela, na Colombo, tomando Napoleón e beliscando madeleines, depois de sua visita diária às modistas de luxo da rua do Ouvidor.”
Nome normalmente relacionado a biografias como a de Nelson Rodrigues, Carmem Miranda, e a controversa biografia de Garrincha, Ruy Castro tem sua estréia na ficção em um romance cheio de fatos históricos e extensa bagagem de conhecimentos curiosos sobre a Belle Époque do Brasil, tudo costurado habilmente para que fiquemos em dúvida sobre o que realmente ocorreu, e o que saiu da mente do autor.
Coisas como o duelo de espadas de Bilac com Pardal Mallet, ou o célebre acidente automobilístico causado pelo mesmo, quando guiando o carro novo de José do Patrocínio, chocou-se contra uma árvore, causando assim a primeira batida de automóvel “do Brasil provavelmente, do Rio com certeza”, com afirma Ruy Castro. O dirigível de José do Patrocínio também foi real, embora seja um fato pouco conhecido.
Parte da coleção “Literatura Ou Morte” lançada pela Companhia das Letras em 2000, onde escritores eram apresentados como protagonistas das histórias, “Bilac Vê Estrelas” revive o Rio de Janeiro do inicio do século XX com perfeição, embora com resultados cômicos, e quase cinematográficos; como a tórrida cena onde a espiã portuguesa tenta seduzir Bilac a força, entrando em seu quarto na calada na noite e o atacando na cama, quando deixa-o para morrer inconsciente em um hangar em chamas, a fuga dos criminosos em uma charrete em disparada, em meio ao intenso burburinho da Rua do Ouvidor, e sendo parados pela multidão que seguia Santos Dumont gritando “Viva o Brasil!”
“Não pensei com essa intenção, mas depois percebi que ela pode ser filmada. Não há qualquer problema nisso, afinal foi o cinema que tirou sua capacidade narrativa da literatura e dela se apropriou” afirma Castro.
Em meio a arranca-rabos, eventos históricos, espionagem industrial e celebridades brasileiras de tempos idos que ainda hoje nos fascinam, “Bilac Vê Estrelas” apresenta humor para os mais diversos gostos, desde a mais sutil, até o pastelão, um livro delicioso de se ler, prova do talento de Ruy Castro também como ficionista.
“Por aqueles dias mesmo, na ânsia de ver Bilac, uma senhora distraíra-se e caíra dentro de uma vala da prefeitura, bem diante da porta da Colombo. O buraco fora aberto, a obra ficara pronta e o prefeito ainda não se lembrara de tapá-lo. Os boêmios da Colombo já eram íntimos do buraco e, assim mesmo, houve um, o cronista Rocha Alazão, que, desbussolado pelos conhaques e cervejas, tropeçou no bigode e caiu emborcado dentro dele. Alguém afixou ali uma placa onde se lia CUIDADO COM O BURACO. Mas o poeta Bastos Tigre, grande pândego (e, ele também, detentor de um dos mais enfáticos bigodes da República), achou que não era suficiente: comprou um coqueiro de porte médio e plantou-o no buraco. Meses depois, o coqueiro já estava crescido e ameaçando dar os primeiros cocos e nada de o buraco ser tapado.”
Por Karl
A parte cômica com certeza deve ser a melhor do livro. Eu que confesso, gosto pouco desse estilo de literatura, fiquei interessada em ler esse. Sem contar que a resenha está ótima despertando o interesse para tal.
Parabéns Karl, sou uma pseudo-fã já!
Parece realmente interessante, e certamente irei em busca desse material, meus parabéns também.
Mas não venho aqui somente elogiar, gostariam de pedir a correção do subtitulo (ou sabe-se lá o que é aquilo) onde diz “Joguem mais carvão na caldeira!”. O local onde se joga o carvão é a fornalha, esse tem a função de produzir o calor que irá causar a evaporação da água na caldeira.As opções mais corretas seriam “Joguem mais carvão na fornalha!”, “Aumentem o fogo para a caldeira!” ou até mesmo “Joguem mais carvão para a caldeira!”
Abraços, de um fã um pouco chato!