Conversando com K.W. Jeter
Três anos atrás, entrevistamos um dos pioneiros (e podemos dizer até, padrinho, já que foi dele que a definição nomeadora veio) do gênero Steampunk.
Mas devido a infortúnios envolvendo um erro humano, um Engenho Analítico, e o extravio de um jogo de cartões perfurados, a entrevista foi perdida…
…para sempre condenada a uma eternidade flutuando no éter dos manuscritos não-publicados.
Nossa equipe ficou inconsolável.
Fazendo uso de um peculiar e miraculoso aparato adquirido de um estranho misterioso, que embora não nos tenha dado habilidade de viajar no tempo, nos deu a capacidade de observar o passado e o futuro apenas uma vez, fomos capazes de transcrever a entrevista, usando técnicas de leitura labial e registrando os padrões usados pelos dedos do distraído entrevistador enquanto ele digitava.
Com isso, pudemos recuperar tal conversa, e com um sincero pedido de desculpas ao Sr. Jeter, a publicamos onde ela deveria estar já há três anos.
Sem mais delongas, aproveitemos deste fruto da engenhosidade tecnológica lúdica com uma minibiografia nas palavras do próprio Jeter:
“Nasci em Los Angeles, California, em 1950 — o que me torna alguém com 63 anos*. Minha esposa, Geri, e eu, somos casados desde 1982. Meio monótono no quesito biografia, na verdade, com o tipo de carreira complicada que escritores costumam ter. Escrevi meu primeiro romance, DR. ADDER, em 1972, mas ele só foi publicado em 1984. Vivi em várias cidades dos Estados Unidos – Los Angeles, São Francisco, Portland – e também na Inglaterra e Espanha. Trabalhei a maior parte de minha vida como escritor de ficção científica e fantasia. Atualmente, minha esposa e eu vivemos no Equador, que achamos muito agradável e estimulante. Estamos aqui já há dois anos**, e esperamos viajar um pouco mais pela América do Sul. Meu mais recente*** romance FIENDISH SCHEMES acabou de sair; é a sequência ao meu antigo livro steampunk INFERNAL DEVICES. E mais livros irão sair em um futuro próximo****”.
*66 agora
**5 agora
***Não tão mais recente agora
****E ele não estava brincando, embora não sejam dentro do steampunk, ele, nesse meio tempo, lançou 7 livros, em uma série de thrillers de ação pela Amazon.
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UMA CONVERSA COM O PADRINHO DO STEAMPUNK:
Conte nos como seu trabalho foi influenciado por H.G. Wells e outros escritores da época. Quais foram suas fontes de inspiração?
JETER: É difícil ser um escritor de ficção científica e não ser influenciado por Wells. Em muitas maneiras ele criou fundamentos para o gênero, e em minha opinião, muito mais que outros escritores, como Júlio Verne, por exemplo. Em Wells, você não tem não apenas o aspecto tecnológico da ficção científica, mas também o aspecto político e sociológico. Talvez nem tanto em livros como A MAQUINA DO TEMPO e GUERRA DOS MUNDOS, mas certamente sim e livros como O ALIMENTO DOS DEUSES, e WHEN THE SLEEPER WAKES.
Wells era um teórico político, então não há tanta especulação científica, tendo mais de seus pensamentos sobre como os vários avanços científicos afetariam a humanidade. Algumas de suas previsões nesse quesito são mais acuradas que outras, mas o nível de raciocínio sobre esses assuntos é sempre impressionante. Nos anos cinquenta surgiram outros, como Frederik Pohl e C. M. Kornbluth, que construíram em cima desse aspecto dos escritos de Wells, eles foram grandes escritores de ficção científica sociológica.
Você favorece alguma técnica de escrita? O que o inspira nesses momentos?
JETER: Sou bastante eclético quando o assunto é a técnica usada. Ocasionalmente eu faço anotações de ideias específicas, então as coloco de lado e só volto a elas meses, ou anos, depois, quando meu subconsciente já teve tempo de desenvolvê-las melhor. Em outros casos as ideias vêm já bem formadas, e eu posso começar a desenvolver e escrevê-las imediatamente. Às vezes, para muitos escritores (e estou me incluindo), é só uma combinação especifica de palavras, como um possível título, ou o nome de um personagem, que faz a inspiração fluir – você olha aquelas palavras e se pergunta o que significam, e a história que vem depois é basicamente a explicação para isso. Ás vezes precisamos escrever um livro simplesmente para descobrir o que todas aquelas ideias malucas significam.
O que o levou a escrever, por exemplo, Morlock Night, e Infernal Devices?
JETER: MORLOCK NIGHT era essencialmente um livro de fantasia, com uma camada histórica da Era Vitoriana em que os livros de Wells eram ambientados. Nesse sentido, era basicamente um protótipo para INFERNAL DEVICES, que foi um conceito muito mais bem desenvolvido para o que eu queria fazer, com um livro de ficção científica com algumas bases históricas. Eu li tantos romances Vitorianos e Eduardianos, como Dickens e George Gissing, que eu queria ver se poderia duplicar, ou ao menos imitar com algum sucesso, aquele estilo de prosa elaborada e estruturada. Ao mesmo tempo, eu queria escrever um livro satírico, pois a maioria dos meus trabalhos antes puxavam para um lado levemente trágico. Então os plots elaborados e eventos fantásticos da história foram perfeitos para que eu atingisse esse objetivo.
Você tem alguma preferência de livros dentro do steampunk (ou filmes)?
JETER: Não realmente – existem vários escritores talentosos produzindo romances e histórias steampunk atualmente, mas se eu for ler algo em um estilo de prosa Vitoriana, é mais provável que eu volte para os autores originais, como Harrison Ainsworth, ou Lord Bulwer-Lytton, que eram ambos escritores excelentes, e hoje estão, injustamente, esquecidos. Ainsworth, particularmente, foi um ótimo escritor de suspense; e em muitas maneiras, meus livros no gênero são mais próximos aos livros dele do que são dos de Wells. Quanto a filmes, eu acho que todos nós ainda estamos esperando por um primeiro filme steampunk realmente bom.
Nos primeiros dias do Steampunk, o Cyberpunk já era bem popular. O que você já usou de cyberpunk em sua obra, e quais você acha que são as principais diferenças entre esses dois gêneros?
JETER: Eu não acredito ter escrito nada dentro do gênero cyberpunk; eu certamente não fui influenciado por nenhum dos escritores associados ao gênero. Meus romances DR. ADDER e FAREWELL HORIZONTAL, que as vezes são puxados para dentro da definição de cyberpunk, na verdade tem suas raízes em thrilles que não chegam a ser ficção científica. Como eu basicamente não são familiar com o cyberpunk, não tem muito que eu possa dizer sobre a diferença entre os dois, excetuando o fato óbvio do cenário histórico da maioria das obras steampunk.
O que o motivou a escrever, naquele fatídico dia, para a revista Locus? Você concorda com o que muitos assumem, de que aquela foi a certidão de nascimento do Steampunk?
A carta para a Locus foi, basicamente, uma piada de minha parte; eu estava caçoando da tendência vigente na época de inventar todo tipo de gênero com a etiqueta “alguma coisa”-punk. Eu realmente não tinha uma intenção que ia mais além disso. Mas a carta para a Locus foi definitivamente a primeira aparição da palavra “steampunk”, então a denominação se origina ali, mesmo que livros do tipo já existissem antes, como por exemplo, A TRANSATLANTIC TUNNEL, HURRAH! De Harry Harrison.
Mais de 26 anos depois da criação do termo Steampunk, muitos fãs ainda surgem e se juntam a esse gênero como em um movimento. O que você acha desse crescimento constante?
JETER: Estou muito feliz com isso, é ótimo ver tantas pessoas se divertindo tanto com isso. Eu tenho para comigo que minha contribuição não é um fator maior nisso; que esse é um gênero e um entusiasmo que teria surgido mesmo se eu não tivesse, acidentalmente, criado o rótulo que acabou dando seu nome.
Você, em algum ponto do futuro, viria ao Brasil? Como você se sente tendo fãs em locais tão distantes?
JETER: Um escritor sempre fica feliz em descobrir que tem fãs em qualquer lugar, significa que pelo menos os livros estão chegando em algum lugar. Eu certamente espero visitar o Brasil assim que a oportunidade surgir – Estou sempre aberto a convites!
O que você acha do Steampunk e seu ganho de popularidade? Como você acha que grupos como o Conselho podem contribuir com artistas como você?
JETER: Acho que pode ser que estejamos vendo só o início do movimento steampunk, mesmo com ele já existindo faz um tempo; eu certamente não vejo sinais de que o entusiasmo está se esvaindo. E certamente existe uma grande possibilidade de que os novos escritores steampunk, no mundo todo, venham desse meio, de grupos como o seu, onde estão discutindo e criando novas ideias.
O que eu vejo hoje, é que o steampunk está se tornando um movimento mais internacional, ao invés de algo limitado ao mundo anglófono, e eu acho que a natureza globalizada do movimento é de onde as novas e excitantes inovações no gênero vão surgir. Eu realmente preciso reforçar o meu Espanhol e Português para poder acompanhar as novas histórias e livros que vão começar a surgir por aqui.
Como você definiria o Steampunk em uma frase?
JETER: Steampunk, como um gênero literário, é aquela vertente da ficção científica e da ficção fantástica que transpõe a tecnologia moderna para as eras Vitorianas e Eduardianas, mas sem a necessidade de uma precisão científica ou histórica; em outras palavras, é o subgênero anárquico que vê o passado através do futuro e o futuro através do passado, com objetivo de conseguir máximo de diversão e entusiasmo possíveis. Eu notei que ficou uma definição complicada, mas é um gênero complicado, é difícil definir em poucas palavras.
Como eu já mencionou, a sequência de INFERNAL DEVICES, o livro FIENDISH SCHEMES acabou de ser lançado. Logo devemos definir algumas de suas traduções, para que mais leitores possam aproveitá-lo. Eu espero produzir mais um livro steampunk após esse, mas isso ainda não foi definido, então não vou revelar detalhes sobre isso ainda. Desde que me mudei para o Equador eu desenvolvi várias novas ideias, então é possível que várias coisas novas surjam no futuro. Eu mantenho meu blog steamwords.wordpress.com, onde eu posto informações sobre todos os meus novos projetos, então todos podem se cadastrar para receber as notícias mais recentes. Eu espero poder conhecer e conversar com mais de meus leitores do Brasil e do resto da América Latina. Quanto mais as pessoas aqui, e em outros lugares, se divertem com o steampunk, mais eu também me divirto. Ciao!
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Three years ago, we interviewd one of the pioneers (and could we say… godfather-figure, since the name came from him?) of the Steampunk genre. Due to a series of unfortunate events envolving human error, an Analytical Engine, and the misplacing of a set of punch cards, the aforementioned interview was lost… forever condemned to float in the aether of the never publish manuscripts…
Our team was desolated.
But using a miraculous and peculiar device, acquired from a mysterious stranger, that, even if does not gave us the capacity of travel in time, gave us a way to observe the past or the future for a moment, with that we could do a transcription of the interview, using lip reading techniques, and analizing the patterns used by the fingers of the oblivious interviewer while he typed.
With that, we were able to recover the conversation, and with a most sincere apology to Mr. Jeter, we’re posting it where it should have been for three years.
With no further ado, let’s enjoy the fruit of this dream-like technologic ingenuity, starting with a brief biography, in the words of the man himself:
I was born in Los Angeles, California, USA, in 1950 — so that makes me just about 63 years* old. My wife Geri and I have been married since 1982. Really pretty dull, biography-wise, with the usual sort of ragtag career history that writers tend to have. Wrote my first novel DR. ADDER in 1972, but it took until 1984 to be published. I’ve lived in various cities in the US — Los Angeles, San Francisco, Portland — plus in England and Spain. I’ve worked most of my life as a science fiction and fantasy writers. Currently my wife and I are living in Ecuador, which we find very congenial and stimulating. We’ve been here for about two years**, looking forward to doing some more traveling around South America. My new novel*** FIENDISH SCHEMES has just come out; it’s the sequel to my earlier steampunk novel INFERNAL DEVICES. I should have some more books coming out in the near future*.
*66 now.
**5 now
***Not the newest now.
****He isn’t kidding, although not inside the steampunk genre, there’s about 7 new action thriller books released since then.
Please tell us, how was your work influenced by H.G. Wells and other authors from the time. Who were your other sources of inspiration?
It’s difficult to be a science fiction writer and not be influenced by Wells. In a lot of ways, he really laid the foundation for the genre, much more so in my opinion than other writers such as Jules Verne. In Wells, you get not only the technological aspect of the science fiction genre, but also the sociological and political aspect, perhaps not so much in the more popular novels such as THE TIME MACHINE and WAR OF THE WORLDS, but certainly in novels such as THE FOOD OF THE GODS and WHEN THE SLEEPER WAKES. Wells was a political theorist, so there’s a lot of not such scientific speculation, but also his thoughts on what various scientific advances would mean for humanity. Some of his predictions along those lines are more accurate than others, but the level of his thinking about those matters is always very impressive. In the Fifties, there were other others such as Frederick Pohl and C. M. Kornbluth who built on that aspect of Wells’ writing; they were really the great sociological science fiction writers.
Is there a particular writing technique you favour? How do you get the inspiration?
I’m pretty electic when it comes to writing technique. Sometimes I make notes on particular ideas, then set them aside and come back to them months or even years later, when my subconscious has had time to work on them. Other times, ideas come to me pretty well formed and I can start to work developing and writing those immediately. For a lot of writers, myself included, sometimes it’s just combination of words, such as a possible title or a character name, that gets the inspiration flowing — you look at those words and you wonder what they could possibly mean, and the resulting story is basically the explanation for that. Sometimes we have to write the books just to find out what all these crazy ideas mean.
What made you come up with Morlocks Night and Infernal Devices, for example?
MORLOCK NIGHT was essentially a fantasy novel, with a historical overlay from the Victorian era in which Wells’ novels are set. In that sense, it was basically a trial run for INFERNAL DEVICES, which was a more fully developed concept for what I wanted to do with a sort of historical based science fiction novel. I had read so many other Victorian and Edwardian novels, such as those of Dickens and George Gissing, that I wanted to see if I could duplicate or at least successfully imitate that sort of structured, elaborate prose style. At the same time, I wanted to write a comic novel, as most of my writing before that had been on the rather grim side. So the elaborate plots and fantastic events in the story were perfect for accomplishing that.
Do you have any favorite books (or movies) in the steampunk genre?
Not really — there are a lot of fine writers producing steampunk novels and stories now, but if I’m going to read anything with a Victorian prose style, I’m more likely to go back to the actual writers of that period, such as Harrison Ainsworth or Lord Bulwer-Lytton, who were both excellent writers and who are now somewhat unfairly dismissed. Ainsworth in particular was a fine thriller writer; in a lot of ways, my own steampunk novels are perhaps more similar to his books than to those of Wells. As for movies, I think we’re all still waiting for the first really great steampunk film.
Back in the first days of Steampunk, Cyberpunk was already popular. What is the cyberpunk in your work and what are the differences between these two genres?
I don’t believe I’ve ever written anything in the cyberpunk genre; I certainly wasn’t influenced by any of the writers associated with it. My novels such as DR. ADDER and FAREWELL HORIZONTAL, which are sometimes lumped in with cyberpunk, really have their roots in non-science fiction thrillers. Since I’m basically unfamiliar with cyberpunk, I can’t really say much about the differences between it and steampunk, other than the obvious one of the historical setting of most steampunk novels.
What motivated you to write (in that fateful day) to Locus magazine? Do you agree with the assumption that this is the birth certificate of Steampunk?
The letter to Locus was basically a bit of fun on my part; I was mocking the current tendency then to come up with all sorts of genres that were labeled “something”-punk. I didn’t really have much more intention than that. But the Locus letter is definitely the first appearance of the word “steampunk,” so the label originates from that point, even if there had been similar books before, such as Harry Harrison’s A TRANSATLANTIC TUNNEL, HURRAH!
More than 26 years after the creation of the term Steampunk, a lot of fans came up and joined the genre as a movement. What do you think about this continuing growth?
I’m very happy about it, and I’m glad to see so many people are having so much fun with it. I’m pretty sure my contribution is not the major factor; this is a genre and an enthusiasm that would have come about even if I hadn’t accidentally come up with the label that got attached to it.
Do you intend to come to Brazil in the following years? And How do you feel having fans in such a faraway place?
A writer is always glad to discover that he’s got fans anywhere, as it means that at least the books are getting out there. I’m certainly hoping to come to Brazil as soon as the opportunity arises — I’m always open to invitations!
What do you think about SteamPunk and it’s gaining of popularity? Do you believe groups like the Steampunk Council may contribute with artists like yourself?
We might be seeing just the beginning of the steampunk movement, even though it’s been going on for a while; I certainly don’t see any signs of the enthusiasm starting to fade. And certainly the new steampunk writers, all over the world, are more likely to come out of societies such as the SteamPunk Council, where they’re discussing it and coming up with new ideas.
What I’m seeing now is that steampunk is becoming an international movement, instead of one just limited to the English-speaking world, and I think the global nature of the movement is where a lot of the new and exciting developments in the steampunk genre are going to come from. I’ll need to really brush up on my Spanish and Portuguese in order to keep up with all the new stories and books that will be coming out here.
In a sentence, could you define SteamPunk?
Steampunk, as a literary genre, is that branch of science fiction and science fantasy that transposes modern technology to the Victorian and Edwardian eras, without the necessity of scientific or historical accuracy; in other words, it’s that anarchic subgenre that views the past through the future and the future through the past, with the intent of having the most fun and excitement possible. I realize that’s a complicated sentence, but it’s a complicated genre, difficult to sum up in just a few words.
As I said above, my new book FIENDISH SCHEMES, the sequel to INFERNAL DEVICES, just came out. We should be lining up some translations for it very soon, so readers everywhere will be able to enjoy it. I’m hoping to have another steampunk book coming out after that, but that hasn’t been settled yet, so I’m keeping a lid on any details about that. Since moving to Ecuador, I’ve developed a lot of new ideas, so there should be quite a bit more coming from me in the very new future. I maintain a blog at steamwords.wordpress.com, where I post information on all my upcoming projects, so people can certainly sign up there in order to receive all the latest news. I very much hope to meet and be able to talk with my Brazilian and other Latin American readers. The more fun people here and elsewhere are having with steampunk, the more fun I have hearing about it. Ciao!