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O grande Alan Moore fala sobre Steampunk

Alam Moore fala sobre a obra “A Liga dos Cavalheiros Extraordinários”, que ajudou a popularizar a estética steampunk talvez mais do que qualquer outro livro, e como o livro surgiu.

Alan Moore: Por incrível que pareça, ele não cresceu de uma estética steampunk – ele talvez cresceu até se tornar uma. Eu li alguns interessantes exponentes do gênero steampunk, pessoas como Tim Powers, K.W. Jetter, e alguns dos mais novos – Eu não sei se The Diamond Age de Neil Stephenson se qualificaria, ou se é um nanopunk -,

Eu sempre estive interessado e aprecio várias destas histórias. Mas quanto a Liga dos Cavalheiros Extraordinários e de onde veio, ela saiu de Garotas Perdidas.

Estavamos nos divertindo tanto, eu e Melinda Gebbie, fazendo pornografia com três personagens literários clássicos, que subitamente veio a mim “hey, você poderia fazer isso com um livro de aventuras” Você tem o homem invisível, e você tem o Sr. Hyde, e você tem o Capitão Nemo, e eventualmente, após muita escolha, chegando a Mina Murray [de Dracula] como personagem feminina principal. Então nos sentamos para fazer o livro, e começamos com essa simples, até simplista, ideia de um tipo de Liga da Justiça da Inglaterra Vitoriana. Mas quando Kevin [O’Neill] começou a se aproximar com a arte – e começou a fazer coisas como projetar uma versão mais fiel e exótica do nautilus – ele começou a sentir como se essa história fosse apresentada em um mundo onde várias fantasias e ficções vitorianas realmente aconteceram. Isso levou a colorir o tipo de arquitetura que Kevin mostrou, o tipo de tecnologia, em termos de automóveis e outros veículos do período.
Eu acho que foi provavelmente na metade da primeira edição quando eu me toquei que havia feito o Sr. Hyde de Stevenson assassinar Nana de Emile Zola na Rua Morgue de Edgar Alan Poe, que eu percebi que havia uma possibilidade fantástica para fazer deste livro algo sem precedentes; se fizéssemos cada personagem do livro um personagem tomado de uma ficção pré-existente, então o livro se tornaria esse amalgama insano de quase todo mundo ficcional que existiu.

Com o segundo volume nos ocorreu que poderíamos expandir isso apresentando esse almanaque de lugares fictícios, no que tentamos unir e amarrar todos os lugares nesse mundo imaginário. No volume seguinte de A Liga Dos Cavalheiros Extraordinários (o ultimo do odiado eixo DC/Wildstorm), O Dossiê Negro, nos fornecemos uma linha do tempo, vindo de antes da origem na humanidade até os dias atuais, nos damos uma linha temporal para todo esse planeta fictício. A maior parte disto vem na forma da da vida de Orlando, uma personagem imortal que vem de Tebas do século XII antes de Cristo. Isso ajuda a construir esse incrível mundo, extremamente tridimensional, em que cada história fantástica e não fantástica que você já leu, provavelmente co-existem.

E isso não é uma idéia nova; desde a história de Jasão e os Argonautas, pessoas pensam “o que aconteceria se meus heróis de ficção favoritos se reunissem?” Certamente no século XIX isso foi proeminente, com Jules Verne escrevendo a sequência da Narrativa de A. Gordon Pym, de Edgar Alan Poe. Temos um enorme numero de crossovers; tudo o que fizemos com A Liga é levar ao seu extremo, onde tudo é potencialmente combinado com outra coisa nas páginas de A Liga. E é daí que a idéia veio e no que ela se tornou. Os primeiros dois volumes são provavelmente os que os entusiastas do steampunk irão responder mais, porque no Dossiê Negro, e no volume seguinte em que eu e Kevin estamos trabalhando, nós nos movemos da era Vitoriana. O Dossiê Negro, apesar de ter material que começa na aurora dos tempos e vem até os dias atuais, as seções narrativas são em sua maioria ambientadas em 1958, o que achamos ser um tempo tão peculiar e distante quanto a era Vitoriana quando nós pensamos sobre o assunto. O Volume 3, por outro lado, é composto de três partes: três capítulos de 72 páginas situados cada um em diferentes épocas. A primeira parte é situada em 1910, e tem vários eventos que revolvem ao redor da opera, temos Mack the Knife, e Pirate Jenny (da Opera de três vinténs, de Bertold Bretch) aparecendo, junto com alguns outros personagens pós-Vitorianos e Eduardianos. No terceiro capítulo tudo ocorre em 1958, e no terceiro nos dias atuais. Não quisemos fazer de tudo um fetiche da era Vitoriana. Podemos ter outra histórias ambientadas na era Vitoriana, e certamente teremos algumas ambientadas no passado, antes da era Vitoriana. Embora seja um período incrivelmente rico para se embrenhar, eu acho que depois de Do Inferno, A Liga dos Cavalheiros Extraordinários, e Garotas Perdidas, que eu suponho ser mais Eduardiano, eu senti que corria o risco, por mais que eu ame esses períodos, de ser tachado como algum maluco pelas eras Vitoriana e Eduardiana. Na verdade eu sou igualmente interessado por quase todo período histórico, todos tem algo a oferecer.

Pensamentos de Alan Moore sobre steampunk como estética e sobre seu potencial como cultura.

“Bem, eu acho que steampunk, se não estou equivocado, é um tipo de manifestação ethos que tem se tornando mais predominante na cultura contemporânea. Me parece que a essa altura do século 21 nós estamos mais conscientes de nós mesmo – mais conscientes de nosso passado – do que a cultura jamais foi antes. Por causa da internet, por causa dos tremendos arquivos que reunimos, a cultura do passado nos está disponível. E conforme a olhamos, podemos ver que é um fabuloso deposito de idéias que poderiam ter sido lindas – e que poderiam ter ainda uma imensa quantidade de vida ainda dentro delas – e que foram descartadas pelo rígido avanço da cultura e nossa insistência em coisas novas todos os dias. Creio que nós estamos agora em uma posição onde podemos olhar para trás, para esses maravilhosos e gloriosos restos de nossas culturas prévias – nossos prévios estados da mente – e podemos usar elementos dessa arca do tesouro para criar coisas apropriadas ao nosso futuro.

Creio que em muitos aspectos é essa a definição de “decadência” como foi dada pelo escritor decadentista Théophile Gautier que disse que o escritor decadentista deveria se sentir livre de pegar emprestado o mais belo e suntuoso das lendas antigas, e, ao mesmo tempo deveria se apropriar do vocabulário das mais recentes peças de escrita, trazendo assim, o passado, o futuro e o presente para um tipo glorioso de ensopado. E na minha opinião, em seu melhor, é isso que o steampunk tenta fazer. Ele pega esses elementos abandonados; que provavelmente não tem nada de errado neles, e que eram perfeitamente funcionais, mas foram simplesmente deixados de lado; de nossa cultura do passado, e reunindo-os de uma forma nova, para assim criar idéias que ajudarão a nos levar ao futuro. O que quero dizer é que é isso que o steampunk está fazendo, de forma consciente ou não.

Acho que a arte, a tecnologia, a mídia, estão todas mudando a forma básica que vemos o tempo. Acho que até recentemente nós víamos o progresso dos tempos como um tipo de correia, onde eramos arrastados do passado para o futuro; não há nada que possamos fazer quanto a isso, e a paisagem de nosso passado – uma vez que a correia é deixada para trás – se vai para sempre. Mas isso não é verdade: todas as idéias do passado ainda estão inteiramente ao nosso alcance. E eu penso que algumas pessoas, como, talvez, os escritores steampunk, se tornaram cientes que é possível incorporar o passado como um meio de avançar para o futuro. Isso não é nostalgia. Isso nos enjoaria rapidamente. É essencial haver um aspecto mais progressivo, que olhe além do modo que utilizamos esses brilhantes fragmentos de uma cultura passada. Vendo da minha perspectiva, seja eu conscientemente steampunk ou não, eu creio que é provavelmente esse o ponto.”

Por Karl [Tradução]
Conteúdo originalmente publicado na edição numero 3 da Steampunk Magazine, disponível para download gratuito em:
http://www.steampunkmagazine.com/.

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