search
top

O Deus Máquina de John Murray Spear


 


Foi antes da Guerra Civíl acontecer.
Um tempo de inovações tecnológicas, mas a luz elétrica ainda estava distante.
A seringa hipodérmica já havia sido inventada mas a anestesia ainda não existia.
A escravidão ainda estava dentro da lei.
Havia a Guerra da Crimeia.

Nessa época Sir Richard Burton, disfarçado como mercador árabe, fez sua famosa visita a Meca e Medina, Filippo Pacini descobre a bactéria causadora da Cólera, Oscar Wilde nasce; e a pedido de um grupo de cervejeiros o célebre Louis Pasteur começa a estudar técnicas de fermentação.
Havia muito vapor naquela época, havia carvão, trens, e havia John Murray Spear.

John Murray Spear foi um ministro universalista, advogado dos direitos femininos, ativista contra pena de morte e um abolicionista proeminente. Por volta de 1852, ele começou a transmitir mensagens espirituais as pessoas, também passou a realizar sessões de “cura magnética” por imposição das mãos. Apesar dessas coisas Spear não conseguiu muita fama no movimento espiritualista da época. E no que se refere a notoriedade, ele era apenas mais um médium de temperatura média no que se refere a notoriedade…


Nascido em boston, em 1804, e batizado em homenagem ao fundador do ramo americano da igreja Universalista, John Murray Spear foi descrito como um homem “gentil, bondoso, e ingênuo” mas possuidor de uma mente peculiar. Quando seu pai morreu, a família foi deixada na pobreza, o jovem John Murray Spear passou por diversos empregos, até entrar em contato com as idéias universalistas de que todas as almas seriam salvas, e que incentivava a visão de toda a criação como sendo um único movimento que avançava em direção ao grande desfecho de bençãos universais e amor universal. Tornou ministro da igreja Universalista aos 24 anos, e em 1830 já era casado e possuía a própria igreja em Barnstable, Massachusetts.
Os pontos de vista reformistas de Spear sobre temperança, escravidão, e direitos das mulheres o tornaram impopular com sua congregação, e em 1840 ele já havia perdido a sua igreja em Barnstable e sido expulso de outras em New Bedford e Weymouth. Por conta de seus trabalhos para melhorar condições penitenciárias e abolir a pena de morte, Spear acabou recebendo o apelido de
“O amigo dos prisioneiros”. Após um discurso anti-escravista em Portland Maine, Spear foi espancado por uma turba insatisfeita, e após meses de invalidez em cima de uma cama, ele começou apoiar operações da “Underground Railroad”, ajudando escravos fugidos a alcançarem o Canadá.

Enquanto Spear fazia dava continuidade a seus trabalhos coisas estranhas aconteciam no mundo, mais precisamente em uma casa de Hydesville, na área rural de Nova York, onde vivia a família Fox. A família se mudara para uma casa que tinha a fama de ser assombrada, e o que começou com pequenos barulhos inexplicáveis durante a noite, em pouco tempo já havia se desenvolvido em um completo fenômeno conhecido por ‘poltergeist’.
Durante meses e meses, a família foi incomodada por barulhos, mesas e estantes que se moviam sozinhas, janelas se abrindo e batidas noturnas sem explicação, até que em março, uma das três filhas do Sr. Fox, começou a se comunicar com o causador dos barulhos. Kate Fox desafiou quem estivesse fazendo os barulhos a emitir um som a cada vez que ela estalasse os dedos. E assim ocorreu. Depois ela pediu para que batesse o número correspondente a idade de cada menina. E assim ocorreu. Os vizinhos foram chamados para testemunhar aquilo, e nos dias seguintes um tipo de código foi desenvolvido para a comunicação. O “espirito”, a que as meninas inicialmente chamavam
“Sr. Pé Fendido” se revelou como sendo o fantasma de um comerciante chamado Charles B. Rosma, que teria sido assassinado cinco anos antes, e enterrado no porão da casa. Vizinhos foram chamados para cavar o porão, e alguns pedaços de ossos foram encontrados, mas somente em 1904 um esqueleto foi encontrado em uma parede do porão. No mesmo dia em que Kate Fox começou suas conversas com o espirito, Andrew Jackson Davis, que viria a ser conhecido como “O vidente de Poughkeepsie” teve uma revelação:
Esta madrugada, um sopro quente passou pela minha face e ouvi uma voz, suave e forte, que me disse: ‘Irmão, um bom trabalho foi começado. Olha!, surgiu uma demonstração vivente.
A era do espiritualismo começava.

As irmãs Fox começaram a fazer demonstrações mediúnicas publicas, e em um espaço de cinco anos, o espiritualismo era comum e podia ser encontrado em todo lugar. O assunto era discutido em festas e jantares, e sessões era realizadas igualmente por amadores e por profissionais. Devido a sua falta de hierarquia, promessas de possibilidades ilimitadas, e pela maneira como desafiava os pontos de vista comuns, muitos reformistas foram atraídos para o espiritualismo, entre eles estava John Murray Spear, que em 1851 deixou a igreja e se tornou um espiritualista. Spear desenvolveu poderes de transe mediúnico, e com a ajuda dos espíritos de Emanuel Swedenborg, Benjamin Franklin, e Oliver Dennett (que cuidara dele quando fora atacado por uma turba raivosa), ele passou a viajar de cidade em cidade realizando curas por imposição de mãos ou psicografando receitas. Demonstrações publicas onde, em transe, espiritos falavam, através dele, sobre inúmeros assuntos, como saúde, política, e até mesmo uma tese sobre geologia, assunto sobre o qual Spear afirmava ser totalmente ignorante, eram realizadas, e entre os projetos recebidos através dos espíritos, estava um experimento em que Spear, se sujeitando a troça de seus contemporâneos, procurava promover a influência e controle de espíritos com a ajuda de baterias de zinco e cobre, dispostas sobre uma pessoa como uma armadura.

Apesar de tudo isso, Spear ainda não passava de um ilustre desconhecido quando comparado a Andrew Jackson Davis ou as irmãs Fox, mas isso mudaria após uma jornada espiritual até Rochester, Nova York, onde finalmente, a missão de John Murray Spear foi revelada.


Em algum ponto de 1853, Spear deixou de ser apenas mais uma nota de rodapé dos anais do espiritualismo, e foi elevado da mediocridade para domínios magnificamente incomuns… isso sem mencionar exóticos, excêntricos e com um quê de assombrosos…

No ano de 1853, John Murray Spear teria sido contatado por espíritos com uma “aparente orientação mecanizada”, incluindo entre eles, o fantasma de Benjamin Franklin: a “Associação dos Eletrificantes” que interessados em dar a humanidade nova tecnologia, comandaram-no para que percorresse o mundo e construísse um aparelho que elevaria a ele, e a raça humana a um novo patamar.
Auto declarando-se o médium escolhido, ou “agente geral na Terra”, dos espíritos de John Murray, Thomas Jefferson, Benjamin Rush, Benjamin Franklin e outros distintos falecidos, que juntos haviam formado um “Congresso dos Espíritos”, Spear atestou que o “Congresso” iria transmitir planos para refazer sociedade; mensagens de Jefferson contra a escravidão, de Rush sobre inovações medicinais e de saúde, instruções para a fundação de utópicas sociedades espiritualistas; tudo isso através dele próprio.

Os espíritos científicos, e de “orientação mecanizada”, lhe prestariam assistência em avanços tecnológicos, incluindo não só melhorias em máquinas de costura, mas também maquinas elétricas pensantes, naves elétricas, aparelhos de moto-perpétuo, e até projetos para redes telepáticas intercontinentais.

Mas a primeira e mais importante tarefa de Spear, seria a construção do Novo Motor, o ultimo, e maior presente celestial para os homens, um benefício universal que traria “nova vida a todas as coisas, animadas e inanimadas”.
“O Salvador físico da humanidade” foi como Spear descreveu o Motor. Sobre seu misterioso funcionamento, ele alegou ser movido pelo “poder da reserva magnética da natureza, e portanto, seria independente de fontes artificiais de energia como era o corpo humano”.
Lentamente, Spear atraiu um culto de seguidores,que faziam exatamente isso, seguiam atrás dele e do Novo Motor, que idolatravam como um deus, por todo nordeste dos Estados Unidos. Eventualmente, Spear e essa pequena turba de fiéis chegou a pequena cidade de Lynn, Massachussetts; uma cidade pobre e sem empregos, que um dia foi conhecida por sua produção de sapatos, e que também possuía uma história cheia de feitiçaria, combustão espontânea, monstros marinhos e inúmeras revoltas. No alto de High Rock, uma colina que se elevava 52 metros sobre a cidade de Lynn assentou-se em um um galpão, onde Spear e seus vários seguidores gastariam uma pequena fortuna em cobre, zinco e magnetos enquanto trabalhavam para trazer ao mundo o
“Novo Poder Motivador”, ou, como alguns chamavam:“O Deus Máquina”. No grupo que auxiliava Spear e os Eletrificantes estavam o editor do jornal espiritualista Nova Era, Reverendo S.C. Hewitt, o editor do Espiritualista da Nova Inglaterra, Alonzo E. Newton, e uma mulher identificada apenas como “a nova Maria”.
Para trazer vida ao Novo Messias, quatro etapas foram realizadas, começando com Spear transmitindo os planos dos Eletrificantes, enquanto se encontrava em um
“estado de elevação”. A construção do corpo deveria durar nove meses, e durante esse tempo, Spear receberia duzentas revelações que informariam os detalhes da construção do Novo Motor, pedaço por pedaço. A total falta de conhecimentos científicos de Spear era considerada uma vantagem, pois isso o tornava menos inclinado a fazer alterações pessoais nos planos transmitidos pelos Eletrificantes, levado por lógica ou interpretações divergentes.

Salvo alguns desenhos feitos a partir de descrições, não temos até hoje a minima ideia de como “O Salvador físico da humanidade” de John Murray Spear se parecia realmente. É claro que isso não diminui o fato que tanto Spear, quanto sua traquitana mecânico-espiritual realmente existiram, tendo sido até documentados pelo eminente Lewis Spencer em sua Enciclopédia de Ocultismo.

O Deus máquina supostamente era um construto impressionante. Ele repousava sobre uma mesa de madeira, do centro da mesa se erguiam duas formas metálicas, conectadas no topo por um eixo de aço móvel. O eixo suportava um braço de aço de onde, das extremidades, ficavam suspensas duas grandes esferas de aço com magnetos em seu interior. Sob as esferas aparecia uma curiosa formação, um tipo de plataforma oval, formada de uma peculiar combinação de metais e imãs. Diretamente sobre isso, eram suspensas várias placas de zinco e cobre, arranjadas alternadamente, isso afirmava-se, servia para corresponder ao cérebro como uma reserva elétrica. Elas eram suportadas com condutores metálicos, ou atratores, que se elevavam para atingir um estrato superior da atmosfera de onde conseguiriam a energia diretamente.
Em combinação com estas partes principais eram ajustadas varias barras metálicas, placas, arames, magnetos, substancias insulantes, e peculiares compostos químicos. Em certos pontos da circunferência destas estruturas, e conectadas com o centro, pequenas esferas de aço ocultando magnetos eram suspensas. Uma conexão metálica com a terra, tanto positiva quanto negativa, correspondendo com os dois membros inferiores, esquerdo e direito, do corpo, também foram construídos.
Em adição aos “membros inferiores”, o motor era equipado com um arranjo para “inalação e respiração.” Um grande roda volante dava ao motor uma aparência mais profissional. Isso entretanto, era apenas um modelo de trabalho; a versão final seria muito maior e custaria 10 vezes mais.

O corpo de metal foi carregado com uma maquina elétrica o que resultou em um “movimento vibratório levemente pulsante” observado nas estruturas ao redor da mesa”.
Seguinte a este tratamento, o aparelho foi exposto a indivíduos de ambos os sexos, cuidadosamente selecionados, que eram trazidos em sua presença um de cada vez, em ordem de elevar o nível de vibrações.
Depois disso, Spear se fechou em um construto de metal e gradualmente entrava em contato com a máquina. Durante este tempo Spear permanecia em um pesado transe, que de acordo com um clarividente que presenciou o acontecimento, produzia uma linha de luz, como um cordão umbilical, que ligava Spear e a máquina.

Ao fim dos nove meses, a moça identificada como “Nova Maria”, que já apresentava sintomas de uma gravidez, recebeu uma visão do Novo Motor, e em 29 de Junho de 1854, subiu a High Rock para a etapa final, e enquanto estava na presença do construto, sofreu “dores do parto” por mais de duas horas. Depois da moça ter terminado suas “contrações” ela se levantou do chão e tocou a máquina. O que ocorreu depois não é claro, mas sabe-se que algo aconteceu… de acordo com o testemunho dos presentes pulsações eram aparentes no Motor. Spear afirmou que durante vários segundos a máquina se moveu sozinha.
O jornal Nova Era clamava “A COISA SE MOVE” em sua primeira página.
“O tempo da retribuição chegou por fim, e logo a carreira da humanidade irá para o alto e avante – uma nobreza poderosa e uma carreira divina.” Spear proclamou a chegada do “Novo Poder Motivacional, o Salvador Físico, Ultimo Presente Celeste ao Homem, Nova Criação, Grande Revelação Espiritual da Era, Pedra Filosofal, Arte das Artes, Ciência das Ciências, o Novo Messias”.
Os movimentos da máquina permaneceram ínfimos, mesmo com a Nova Maria dando atenção materna ao construto, mas isso foi atribuído ao infante elétrico ser um recém nascido.

O célebre Andrew Jackson Davis escreveu uma longa crítica ao projeto, e embora louve Spear como um homem “fazendo o bem com todo o seu coração, sem dúvida nenhuma, puro” e como um destemido defensor das causas desfavorecidas, ele sugeriu que Spear talvez tenha confundido suas próprias vontades ocultas com diretrizes de espíritos, ou então que tenha sido usado por entidades irresponsáveis para que realizasse o projeto. Davis afirmou que acreditava que toda a complicada construção da máquina, que sem dúvida era uma excelente obra de construção e perícia humana, era prova de que inteligências superiores estavam envolvidas em sua criação, pois Spear era “intelectualmente desqualificado para o desenvolvimento de ciência absoluta”.
Após a crítica de Davis, os Eletrificantes sugeriram que uma mudança de local traria a máquina um ambiente mais propício para que se desenvolvesse, então o Novo Messias foi movido para um galpão na cidade de Randolph, onde segundo eles, haveria a vantagem de uma posição elétrica favorável.

A história poderia ter terminado de outra maneira; talvez com o desaparecimento de Spear, levando o Motor para algum lugar do deserto, alguma Ascensão para um tipo de nirvana da engenharia, ou ter se perdido apenas para ser reencontrado, para nossa fascinação e deleite, no celeiro de alguma fazenda isolada. Mas, tristemente, a vida real é com muita frequência recheada de clichês, e é bem provável que os ultrajados cidadãos de Randolph que invadiram o galpão e destruíram o Motor em pedaços, estivessem carregando tochas, rastelos e foices.


Como o Novo Motor se parecia realmente? Um Jesus mecanizado? Um messias a vapor? Um salvador movido a corda? Um Deus locomotiva? E por que a reação conservadora da população? O mais provável é que nunca saberemos. Spear não era um conservador, segundo ele, sua missão era a de transformar a humanidade, ele acreditava que a tecnologia era a força mais poderosa daquela era, e que poderia ser usada para servir causas mais elevadas espiritualmente quando a humanidade estivesse pronta. O palpite é aqui, é que ainda não estava.


Mesmo assim, quem sabe?
Talvez, alguém, algum dia, descobrirá um estranho pedaço de maquinaria pneumática, uma mistura desajeitada de vidro e cobre, uma coleção de engrenagens e pêndulos em um velho celeiro, sobre a boca fechada de um poço seco, em uma prateleira empoeirada em algum galpão abandonado… e para sua surpresa e choque, notará certos… movimentos…
E então, talvez O Novo Motor de John Murray Spear irá tiquetaquear, ranger, e viver novamente…

Por Karl
(que tem uma maquina tiquetaqueante no porão)

One Response to “O Deus Máquina de John Murray Spear”

  1. […] This post was mentioned on Twitter by Karl Felippe, Kyou Kurayami. Kyou Kurayami said: RT @KarlFelippe: No sp.steampunk http://tinyurl.com/2bw5d8a você conhece a história do Deus-Máquina de John Murray Spear? […]

Leave a Reply

top