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Seguindo o rastro de vapor II – De onde veio o Steampunk?

Após aquela pequena introdução, é hora de falarmos um pouco de história… alternativa. E história real também.

Mas vamos falar primeiro da história real, começando pelo termo Steampunk.

De onde veio essa palavra?

Para contar isso precisamos voltar até os anos 80.

Kevin Wayne Jeter (para quem não conhece, ele é um autor, que entre outras coisas, já escreveu alguns dos romances do universo expandido de Star Wars, sequências para Blade Runner, e diversos outros livros sobre futuros distópicos e sombrios), havia escrito um romance chamado Morlock Night em 1979, e um chamado Infernal Devices em 1987.

Morlock Night era uma espécie de seqüência-não oficial de A Máquina do Tempo, do H.G. Wells, no qual os morlocks se apoderam do veículo do Viajante do Tempo e retornam através das eras até o século XIX, numa tentativa de dominar aquela época, culminando em um retorno do Rei Arthur e de Merlin para auxiliar o povo da Inglaterra

Infernal Devices era uma narrativa escrita tal qual um romance vitoriano em primeira pessoa, mas que envolvia autômatos milagrosos, sociedades científicas, mutantes meio peixe e aparelhos capazes de partir o planeta ao meio.

Essas obras são provavelmente entre as primeiras definidas como Steampunk. O batismo veio através de um gracejo de Jeter em uma carta de 1987 à revista Locus, especializada em ficção e fantasia, quando especulava um termo para definir os recentes trabalhos de Tim Powers (Anubis Gates de 1983), de James Blaylock (Homunculus, de 1986), e dele mesmo:

Abril 1987 - Copia

“Pessoalmente, eu acho que fantasia Vitoriana será algo grande, contanto que consigamos criar um termo coletivo que se encaixe para Powers, Blaylock e para eu mesmo. Alguma coisa baseada na tecnologia apropriada da era; como “Steampunks”, talvez… –K.W. Jeter”

Foi aí que o nome surgiu.

Com o Cyberpunk em alta, naquela época uma moda havia surgido de se criar definições para novos subgêneros apenas colocando o sufixo “-punk” no final de uma palavra, e Jeter queria apenas caçoar disso. O surgimento do termo “Steampunk” veio com uma piada e uma leve cutucada em um costume vigente. Talvez isso tenha sido muito apropriado, visto que as obras literárias da época em que o gênero se inspira também costumavam apresentar críticas sociais em forma de sátira.

Se o “Punk” do Cyberpunk aponta para um elemento de revolução, o “Punk” do Steampunk, aponta muito mais para um elemento de pastiche.

Isso não impede, é claro, que existam obras Steampunk com um viés mais sério. Se analisarmos o livro “The Difference Engine”, de William Gibson e Bruce Sterling (figuras fundamentais no surgimento do Cyberpunk), temos em essência, uma história cyberpunk ambientada no passado, usando a tecnologia da época ao invés de todo o avanço cibernético presente nas distopias cyber, mas mantendo as atitudes em relação às figuras de autoridade e à natureza humana que se tomavam na época.

O Steampunk pode ser tão distópico e caótico quando o cyberpunk, apresentando elementos noir, bem como temas pulp, entretanto, há algo, talvez por ser um subgênero levemente revisionista, recriando um passado de uma maneira diferente e fantasiosa, que o faz se mover um pouco do caos e do cinismo em direção a sensibilidade utópica e otimista dos romances de ficção e aventura da era Vitoriana. Mesmo quando uma história Steampunk é sombria e política, existe uma certa leveza provinda da ambientação pitoresca.

“Mas, espera aí! Se o termo é tão recente, como é que existem tantos livros anteriores a essa época que são associados ao steampunk?”

Histórias de ficção de época e com elementos retrofuturistas existem há muito tempo, bem como romances de História Alternativa, mas quando o termo Steampunk foi cunhado, ele passou a ser usado para classificar inúmeras obras que se encaixavam na definição, que era inexistente quando surgiram. Livros como Worlds of the Imperium de Leith Laumer,  A Transatlantic Tunnel, Hurrah! de Harry Harrison, Queen Victoria’s Bomb, de Ronald W. Clark, e Warlord of the Air, de Michael Moorcock.

“História Alternativa?”

A História Alternativa é um subgênero da ficção científica em que as histórias transcorrem em um mundo em que a história teve um ponto de divergência da história como nós a conhecemos, com os acontecimentos tomando novos rumos. A maioria das obras do gênero apresentam um mundo similar ao nosso, mas em que, devido a esse ponto de divergência, vários aspectos sociais, geopolíticos e tecnológicos se desenvolveram de maneira diferente. Por exemplo: em “O Homem do Castelo Alto” escrito por Philip K. Dick em 1962, vemos um mundo em que os nazistas venceram a Segunda Guerra Mundial, e no romance “História Maravilhosa de D. Sebastião Imperador do Atlântico”, escrito pelo pelo português Samuel Maia em 1940, é imaginada uma realidade em que o rei D. Sebastião de Portugal venceu a batalha de Alcácer Quibir e Portugal se tornou império dominante no Atlântico.
Em “A Casca da Serpente” (1989), de José J. Veiga, vemos um mundo em que Antonio Conselheiro sobrevivei ao Massacre de Canudos para fundar uma nova Canudos que existiu até o século XX. Na obra de Gerson Lodi-Ribeiro vemos um Brasil no qual o Quilombo de Palmares se tornou uma nação independente, e ao mesmo tempo, a colônia de Nova Holanda continuou no Nordeste sob o comando de Maurício de Nassau, e a colônia portuguesa, bem menor, se tornou enfraquecida.

A História Alternativa, em maior ou menor escala, é uma parte essencial do Steampunk.

“Mas e todos os livros clássicos que são associados ao Steampunk? As obras do Júlio Verne, H.G. Wells, etc. Elas são Steampunk também?”

A resposta certa seria… não. Não exatamente.

Obras como “A Casa à Vapor”, “Vinte Mil Léguas Submarinas”, e “Robur, o Conquistador do Mundo”, de Júlio Verne, “A Máquina do Tempo”, “O Homem Invisível”, e “O Primeiro Homem na Lua”, de H.G. Wells, bem como “Frankenstein”, de Mary Shelley, são obras de ficção científica que apresentam os elementos, o tom e a estética que o Steampunk revisitaria mais tarde. Ou seja, o Steampunk é produzido no presente (a partir da segunda metade do século XX, mais ou menos) mas se inspira nessas obras clássicas.

Mas a ficção Steampunk não é somente a base de motores à vapor, engenhocas voadoras, máquinas diferenciais, e aparelhos cheios de engrenagens na era Vitoriana, ela também pode agregar elementos de vários outros gêneros. De elementos Lovecraftianos, a sociedades secretas, exploração de terras desconhecidas, faroeste, teorias conspiratórias, e muitas outras variedades do fantástico. O Steampunk também não permaneceu apenas nos livros, e logo se espalhou para diversas outras mídias, como quadrinhos, cinema e televisão.
Mas disso eu falo no próximo artigo.

 

Por Karl

Seguindo o rastro de vapor – 3° Parte

Seguindo o rastro de vapor

4 Responses to “Seguindo o rastro de vapor II – De onde veio o Steampunk?”

  1. Bichinho Selvagem.com says:

    Ai que orgulho do meu irmão. Estou adorando essa aula de história, quem dera que todas fossem assim. hihihihi E você tá falando tão bonito!

    Pode continuar, que eu quero aprender mais! Hahahaha

  2. Ju Oliveira says:

    Wow, isso está ficando cada vez melhor!!

    Cavalheiros, reservem um assento a seu lado pois estou embarcando nessa viagem!

    E mais uma vez, parabéns. Esse site vai longe!^^

  3. robinho.sl says:

    Bah!! Doidimais!! Curto o jeito que você escreve: bonito e com comentários pertinentes entre parenteses. Foda que não conheço quase nada desses autores. Eu tenho (ou tinha) o 20mil léguas submarinas em ksa, eu comecei a ler e achei uma droga, mas eu tinha uns 13 anos. Então eras ler de novo. Vo cata lá em casa.
    Valeu ae!

    Ótimo trabalho!!

  4. Jesse says:

    Perfeito,adorei cada palavra escrita,já estou a espera de sua continuação…

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